Saturday, March 18, 2006

Nos bastidores da delinquência


Ok. Não sei de que se trata este filme, e para ser muito sincera, parece-me uma mera exploração da temática racismo. Mas como adoro saber mais sobre África negra, vamos nessa.

Ok. Parece-me "Cidade de Deus", versão sul-africana. Ainda para mais os tipos falam Afrikaans e eu fico com pele de galinha em filmes falados em idiomas que não domino. Como podem calcular...

Fabuloso. Estupendo. A-D-O-R-E-I!
Os Óscares de 2005, definitivamente os mais inteligentes dos últimos tempos.

No filme Tsotsi, ou David, em tempos uma criança que viu a sua mãe padecer de doença grave e contagiosa, o cão ser tornado crippled por uns pontapés do pai, o alcoolismo e violência do mesmo, a fuga do lar, o crescimento nas ruas tendo o dia seguinte como meta torna-se um marginal da vida e da lei. Até ao dia em que acontece um milagre e o Tsotsi descobre um sentido na vida. Um bebé aparece na sequência do roubo de um carro e a vida deste rapaz de 19 anos passa a ter um objectivo, um rumo. Dar tudo a este bebé. E dar, para uma pessoa que parece nada ter tido, possibilita-lhe ter tudo. Através deste dar e deste amar, Tsotsi descobre os outros, a entrega, a completude e... eventualmente o caminho para a redenção.
Não sabemos o que acontece no final. Mas, sim, S., ele é preso, passa por uma pena de prisão dura mas recorda-se da vida que vale a pena ser vivida, e não apenas pelo prazer de sentir o sol na pele quando se está na rua, mas também porque quando sai da prisão volta ao shanty town, reencontra-se com a linda moça e vivem felizes para sempre (ela não disse mas sentiu o momento Herbal Essences: Yes! Yes! Yes!) porque ele tem capacidade de amar e ela tem capacidade e disponibilidade para amá-lo. It's as simple as that. O amor é uma questão de entrega e de . Oxalá houvessem mais rendenções assim. Sem entrega não pode haver construção. Queremos construção com bases, construção sólida para sempre. As crianças querem sempre ouvir contar os contos de fadas para acreditarem que a vida vale a pena.

Friday, March 17, 2006

O malandro é o barão da ralé


Chico é sempre fantástico.
E melhor ainda quando é Chico por aqui, relembrando quem vive essa vida de imigrante, que pode ter acesso às suas raízes mesmo estando longe. Então, pude compartilhar com a minha mãe momentos de cultura, recreação e socialização de um diferente.
Para terminar em grande, a musiquinha cantada na voz inigualável e sui generis do próprio Chico Buarque de Hollanda.
Fico cantando baixinho, para dentro,
"Mas o malandro pra valer
Não espalha
Aposentou a navalha
Tem mulher e filho
E tralha e tal
Dizem as más línguas
Que ele até trabalha
Mora lá longe e chacoalha
Num trem da Central"

Inevitavelmente tudo isto me recordou a outra peça do Chico que eu vi, essa sim, apesar de off the beaten track, profundamente profunda, a "Gota d'água", quem sabe essa um dia chega aqui?
"Já lhe dei meu corpo, minha alegria
Já estanquei meu sangue quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta
Pro desfecho da festa
Por favor
Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota de água"
Falta de profundidade? Nunca. Falta de sentimento jamais. Só se for tua.

Thursday, March 16, 2006

Uma vida cortada ao meio?


Frida Kahlo
1907-1954

De dentro daquela mulher brotava uma alma com vida incomensurável.
Como é possível perante tanta, tanta, intempérie sobreviver um génio artístico e uma vida humana? Poliomielite, deficiência numa perna, coluna partida, marido egocêntrico, adultério do marido com a irmã, abortos espontâneos sucessivos... E viver? E continuar a querer viver?
E, no fundo, se observarmos atentamente, constatamos que a sua obra é do mais narcísico possível. Talvez nos absorva a natureza profunda de sobrevivência que ela tinha. Ou talvez necessitemos da experiência de contacto com o sofrimento alheio para nos sentirmos bem connosco próprios e com o (pouco) que temos. Bem, esta foi mesmo à psicóloga ;)
Seja como for, a experiência profunda de sofrimento, como evento de crise e de crescimento no ser humano, tão bem explorada pelas ciências psi, potencia em algumas pessoas (as mais resilientes) a explosão do génio criativo. Há inúmeros casos que ilustram este facto, sendo a Frida um deles. Sei lá, tanta gente que se fez de pouco, que cresceu em "guerra". A escrita da Anne Frank. A obra do Viktor Frankl. Os sucessos de Martin Luther King e de Nelson Mandela. As criações de tantos judeus que conseguiram escapar ao Holocausto. Isto só para dar alguns exemplos.
Haja regeneração da alma humana que comporte tanto sofrimento e o transforme em algo de bom. Já dizia o Lavoisier, (na natureza nada se cria,) nada se perde, tudo se transforma!

Inchallah, habibi!

Wednesday, March 15, 2006

Nice to meet you, I'm Aeon Flux


Sci-fi à parte é fascinante a ideia de como um homem pode transmitir de geração em geração o amor tão profundo que o protagonista tem pela Katherine (Aeon).

As minorias e as perseguições paranóides começam a cansar mas há algum fenómeno surpresa nesta película. A integração visual está estupenda. Os wallpapers estão tão bons que adicionei todos à minha colecção de wallpapers de filmes!

E, pleeeeeease, não é nada confortável andar assim descascada e decotada em cenários de combate ;)

A colisão da vida


Crash: moving at the speed of life we are bound to crash into each other

Conseguiremos nós suportar a ideia de que a mão que embala o berço é também a mão que bate? Ou será admissível a noção de uma humanidade que não funciona de modo dogmático mal-bem? Qual a relação que isto tem com "queremos ficar connosco próprios a vida inteira"?

O filme raia as fronteiras, nem sempre existentes de bem e mal. Toca no que de mais profundo existe nas relações humanas: a nossa relação connosco próprios. O racismo é o pretexto, o resultado é o conflito humano. Ao princípio tudo se justifica pela cor da pele, mas depois com o correr da história vamos vendo que não. É como se o enredo almejasse ser o objectivo da vida: aprender com as experiências. Isto, claro, para quem tem uma existência positiva.

Gostaria de pensar que todos nós somos capazes de aprender com a vida. Que não é porque cometemos uma vez um acto errado (como o "polícia bom") que passamos a ser maus. Que nos perdoamos e que perdoamos aos outros, e logo a seguir melhoramo-nos. Acho que este conceito extravasa a noção judaico-cristã de que somos pecadores. Sim, cometemos erros, não, não somos maus por isso. Porque evoluimos a cada erro... Se quisermos, claro. Mas eu acredito numa sociedade inteligente que age, reflecte, corrige e regenera.

Acredito também numa sociedade onde todas as meninas do mundo têm pais que dedicam o carinho e atenção que aquele pai dedica à sua filhinha... E que terão magical invisible cloaks -capinhas mágicas contra a maldade do mundo e contra se tornarem más também. Chorei a primeira cena da capinha inteira. E na segunda então... Quase não conseguia conter a emoção. Quanto sentimento! Não era possível abraçar-se mais um filho na vida...
Assustou-me a coincidência da mulher que liga ao marido a dizer que há anos acorda sempre zangada com tudo e com todos... Eu já fui assim. Eu não quis continuar a ser assim. E espero de vez em quando ajudar algumas pessoas a deixarem de ser assim, ajudando-as as girarem os caleidoscópios das suas vidas.

O mais curioso acerca do filme? Há tempos não tinha uma experiência emocional tão intensa numa sala de cinema. O mais chocante foi que nos primeiros instantes de filme apercebi-me que já o tinha visto. Há muito tempo. Mas não me lembro nem de quando, nem com quem, e com certeza não me marcou na altura como me marcou agora. Sim, admito, sou uma cinéfila inveterada ;)

Depois do filme tive a sorte enorme de encontrar um amigo de longa data, alguém que remete para raízes da juventude, e de cujo contacto tinha perdido algures nas encruzilhadas da vida.

Coisa ruim ou filme ruim?


Gostei. Tudo o que remete para o oculto fascina os que querem saber mais. Há um quê de inesperado que torna o filme verídico. Não é muito assustador, só que realmente as casas antigas portuguesas, isoladas de tudo são um bocadinho soturnas. No contexto da tradição cinematográfica portuguesa, definitivamente é um filme pioneiro. E não considerei, como alguns, que o filme fosse uma réplica de filmes americanos do género .

Syriana meu amor

Qualquer semelhança com o Traffic não é pura coincidência. Aliás, este é uma versão piorada do Traffic. É o mesmo estilo, mas um caos ainda pior. Não se apanha a sequência das cenas. Nem sequer se percebe porque é que o filme tem esse nome. No fundo, o que se aprende é que a corrupção está por todo o lado, que a tortura funciona até por sugestão, que os negócios dos países grandes ultrapassam as necessidades dos povos e das nações e que às vezes até os pais vendem os filhos. Meu Deus, como é possível? No amor e na guerra para algumas pessoas às vezes vale mesmo tudo...

Thursday, March 09, 2006

Viagem ao país do assédio sexual. Para quando a inclusão da mulher em termos de paridade no mundo profissional?


Bem a propósito tendo em conta que ontem foi o Dia da Mulher.
Não gosto de transparecer uma posição dogmática, mas definitivamente sou feminista. Porque definitivamente sou defensora das minorias e parece-me que hoje em dia as verdadeiras feministas estão em vias de extinção.
Caso assim não o fosse, não seria psicóloga nem trabalharia na instituição em que trabalho.
É com grande orgulho que as mulheres escavaram um lugar na sociedade profissional. Digo escavar intencionalmente, porque em vez de se dignificarem, se rebaixaram ainda mais. Senão veja-se, hoje em dia fazemos tudo o que fazíamos anteriormente e ainda trabalhamos. Transformámo-nos ainda mais em supermulheres. Somos as super profissionais porque temos que ser sempre excelentes profissionais para não ouvirmos da boca "deles" "Ah, é porque é mulher". Somos as super donas de casa porque com os salários que ganhamos temos que ser nós a limpar a casa e "eles" nunca ajudam porque não sabem, porque têm que trabalhar mais do que nós, porque só fazem tudo ao contrário. Somos as super mães (bolas ainda só nós é que parimos!) porque conseguimos a proeza de ter as crianças, abdicar o máximo de tempo possível de trabalhar para estarmos com os nossos bebés que só são bebés uma vez na vida, mas sempre com sentimentos de culpa porque o trabalho está a acumular (e então ainda damos umas saltadas ao escritório durante a licença de maternidade e afins... quando não abdicamos dela!), suportamos horas e horas de trabalho de parto, epidural, suturas, episiotomias, cesarianas, cicatrizes, hemorróidas, e afins para além dos 9 meses de enjôos, vómitos, contracções, incontinência e gazes e ainda temos que ouvir que engravidamos para não trabalhar???!!! Já sem falar dos meses de amamentação (e quando nascem os dentinhos ao nosso bebé? Ui...)
Portanto quem me disser que o Dia da Mulher não tem razão de ser... Tem toda a razão, sim senhor. Devia chamar-se Dia da Super Mulher!
Não se trata de roubar postos de trabalho, direitos ou privilégios dos homens. Trata-se de ganhar um lugar que desde sempre deveria existir na sociedade, considerando-se o livre-arbítrio, a igualdade de direitos e deveres e oportunidades e a imperatividade de se trabalhar, independentemente do sexo. Suponho que muita tinta ainda há-de correr a propósito deste tema e tenho muito orgulho por eu própria fazer parte da história por estar em territórios onde poucas mulheres foram até ao momento e de onde, de facto, a tentação de fugir é grande. Mas todos os dias penso, que apesar das dificuldades quotidianas, a gratificação de provar que sou tão (ou mais) profissional do que os homens basta para me preencher o ego e fazer continuar. E anteontem, enquanto passeava pelo nosso museu, guiada por uma companheira também mulher, pensava, bolas e nós também estamos a fazer história...
E sabem o que verdadeiramente me mata? Aquela expressão jocosa na cara deles de ... "Que giras, a brincar que fazem estas coisas! Têm cá uma graça!" Não queremos ter porcaria de graça nenhuma. Queremos trabalhar.
Mulheres, continuemos a lutar. Há um livro na minha estante que se chama "Mulheres que correm com lobos". Não é preciso as mulheres irem para as Forças Armadas ou para outras áreas profissionais, para serem amazonas destemidas. Basta fazerem o seu papel de super-mulher. Sempre que houver uma super-pessoa dentro delas, um super-homem por perto (sempre que possível) e super-amigos. Enquanto não houver uma super-mulher lá dentro, é para esquecer. Por isso, senhores que estão à frente da política nos nossos países ocidentais cheios das liberdades: escusam de fazer novas leis sobre violência conjugal. Façam sim novas leis sobre assédio sexual e direitos das pessoas no trabalho. E ensinem às meninas, desde pequeninas, que elas podem ser tudo o que quiserem e sonharem, desde que lutem por isso. Porque elas valem tanto quanto um homem. Ensinem-nas a gostarem delas próprias e a se respeitarem, e a fazerem do corpo delas um templo. Ensinem-nas a lutarem por conseguir as coisas pelo seu valor próprio e não pelo que podem conseguir pelos seus sorrisos. Assim poderemos atingir a igualdade. Quando mostrarmos que, num trabalho, somos profissionais.
Ensinem as meninas a amarem-se a elas próprias para que nunca volte a acontecer violência conjugal mais do que uma vez. Ensinem-nas a defenderem-se. E incorporem mais mulheres nas forças policiais para que, quando estas meninas que tanto sofrem por amarem um homem errado, forem apresentar queixa, não sejam ainda mais espezinhadas do que já são em casa.
Não deixem. Ensinem amor saudável. Ensinem igualdade. Ensinem que todos podemos ser tudo o que quisermos sempre que tivermos o máximo respeito por nós próprias e pelos outros. Valorizem as meninas. Não por serem mais do que os homens. Mas para que elas gostem verdadeiramente delas próprias e só aceitem homens que as valorizem como um tesouro. Porque é isso, temos que ser um tesouro para a pessoa do mundo que tratamos como um tesouro.
A Josie do filme passou pela experiência mais dolorosa que pode acontecer a uma mulher. Não vou contar qual é para que possam ver o filme com olhos de ver. Não acredito que nada possa ser mais doloroso. É a recordação para a vida inteira. Em termos psicológicos talvez seja a melhor maneira de aprender com a experiência, mas puxa...
É o que acontece nas nossas sociedades plenas de direitos e plenas de chauvinismo pelos valores que escapam à esfera do direito.
Intrigas. Ameaças. Chantagem. Humilhação. Falta de respeito dos homens que são chefiados por mulheres. Assédio sexual. Intimidação. Solidão. Sensação de que o corpo é só uma ferramenta para obter o que se quer. Vontade de se decidir deixar ir porque eles também o fazem.
Been there. E não é definitivamente nada agradável. Mas pior ainda é deixar-se ir. Isso é o que a Josie não fez, e que nenhuma de nós deve fazer. Felizmente a Josie não vivia sob ameaça de integridade física ou da sua família. Temos que lutar para que isso não aconteça também no nosso pequeno país à beira mar plantado. Escrevo isto com lágrimas nos olhos porque não há direito. Não há direito que nós queiramos (porque precisamos e porque temos direito) trabalhar e os homens não nos deixem. Ainda há muitos estudos para fazer. Ainda há muita luta para aí vir. Se és mulher, faz a tua parte. Se és homem, faz a tua que é, pelo menos, não dificultar a vida a quem quer trabalhar.
A tua mãe, que está neste momento em casa, e que respeitas e amas com o todo carinho. Não quererias que ninguém lhe fizesse mal. Não o faças também às mulheres que se cruzam no teu caminho. Olha para elas com o carinho com que olhas para a tua mãe. É justo, no mínimo.
A Britney Spears estava errada. I was NOT born to make you happy. Nascemos para fazer feliz quem nos quiser fazer feliz também. Amor é recursivo.
P.S.: Na foto a Charlize Theron quase é violada pelo animal do chefe. Até quando? Até quando temos que calar? Quando seremos levadas a sério?

Sunday, March 05, 2006

Do grande e do pequeno amor



"Ninguém precisa de ninguém para o exercício do sexo - do que todos precisamos é do amor dos outros. O amor pequeno, parcelar, da ternura e da vaidade; e o amor grande, que se nos entranha como um órgão imaterial e nos faz respirar por toda a vida."

Vocês sabem como eu critico a pseudo-literatura-pop ou psico-literatura-pop e afins. Mas a Inês Pedrosa vai de encontro frontal a muito do que se passa na nossa realidade, nas nossas relações. Ousem ler. Se quiserem eu empresto.

Brutal a maneira como ela fala do amor, com realismo assolador. É isso mesmo, na nossa tentativa incessante de sermos um amor diferente, um amor invulgar, perdemos a essência do verdadeiro amor. O amor do seja o que vier, seja como for, sempre do teu lado. A fé e o amor não podem ser selectivos, são incondicionais. O amor é inquantificável, implaneável, impreparável. O amor acontece. Quando menos esperarmos mas quando os dois deixarmos. Adeus aos "engenheiros dos sentimentos".